“Pensei muitas vezes em desistir”. É assim, em tom de abatimento, que o cantor e compositor Marcos Catarina, 44, define os efeitos que o período de atividades interrompidas por causa do novo coronavírus causaram em sua vida profissional.
Desde que a pandemia teve início, no ano passado, conseguir trabalho se tornou um problema quase impossível de se contornar.
O cantor divide a mesma realidade com outros profissionais da indústria da música ao vivo em Belo Horizonte que dependem dos cachês de shows para a sobrevivência. Afastados por mais de um ano dos palcos, esses artistas sofreram considerável redução em seus faturamentos e foram forçados a buscar outros meios de remuneração – tendo muitas vezes que encarar os desafios da adaptação ao universo virtual.
Atrás de soluções para resistir a este momento único, Marcos foi um dos músicos que participaram de uma pesquisa realizada pelo Escutas – grupo de pesquisa em sonoridades, comunicação, textualidades e sociabilidade do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) –, que mostra o impacto negativo que o fechamento de bares e casas de shows e o cancelamento de eventos como o Carnaval trouxeram para a cadeia produtiva na cidade.
Realizado entre os meses de agosto e outubro de 2020, o estudo traduz em números e dados a situação vivida pelo segmento: 43,9% dos profissionais da música na capital mineira viram sua renda mensal despencar para o equivalente a um salário mínimo (R$ 1.045). Pior: antes da pandemia, apenas 5,8% dos entrevistados ganhavam mensalmente essa quantia.
Para a coordenadora da pesquisa, a professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG, Graziela Mello Vianna, o levantamento – que ouviu 171 profissionais da música –, mostra “as dificuldades enfrentadas pelo meio para superar o contexto da pandemia”.
“É um estudo qualitativo. Trabalhamos com uma amostragem pequena, porém as respostas dizem muito sobre como esses profissionais têm sobrevivido neste período. É um raio-x que apresenta o grupo tentando se adaptar às novas atividades musicais dentro do modo remoto. Muitos precisaram escolher ocupações não musicais ou abandonar completamente a carreira artística”, observa.
A pesquisa identificou ainda que a crise teve efeitos mais profundos para trabalhadores do mercado musical que fazem parte de minorias sociais. Dentre os profissionais negros entrevistados – que representam 37,4% do total de participantes –, a metade disse ter recebido somente um salário mínimo mensal tanto antes quanto depois da pandemia.
“Embora os profissionais brancos também tenham sofrido uma redução significativa em sua renda, é visível a predominância das pessoas negras nas faixas de renda mais baixas e sua presença consideravelmente menor entre as rendas superiores. Isso tanto no cenário anterior quanto no contexto da pandemia”, explica Graziela.
De acordo com a professora, esse resultado está relacionado com o papel do racismo estrutural na renda dos profissionais do meio musical da cidade, algo que já era recorrente antes da crise do Covid. “Com a pandemia, a situação se agrava porque essa instabilidade financeira impacta diretamente a capacidade reduzida de investimento em equipamentos e tecnologias para transmissão em modo remoto, estudo e qualificação na área”, complementa.
Próxima etapa do estudo
Os resultados da pesquisa foram publicados em uma edição especial da revista internacional “Frontiers in Sociology”, que dedicou um volume especial a estudos referentes aos impactos da pandemia na música em todo o mundo.
Em uma próxima etapa, o estudo vai investigar questões específicas que surgiram durante a primeira fase do projeto, como o impacto das leis de incentivo à cultura e o desafio da barreira tecnológica do virtual.
Um repertório de alternativas contra a crise
Assim como praticamente todos os músicos da cidade, o guitarrista e produtor musical Ian Guedes, 40, precisou recorrer à reinvenção durante o lockdown. Na estrada desde os 17 anos, ele tinha 80% de sua renda dependente de apresentações ao vivo.
No entanto, desde o início da quarentena, em março de 2020, ele precisou reformular sua agenda de trabalho e passou a ministrar aulas virtuais de música e fazer lives. Após as restrições, seu salário caiu cerca de 50%.
“A falta de shows me apertou muito porque é a fonte de renda que me traz mais receita. Eu fiquei bastante desmotivado no início, muito preocupado. Mas a gente vai entendendo devagar, vai vivendo, vai vendo outras oportunidades – como aulas online –, e com o tempo eu fui me tranquilizando mais”, relata.
Quem também teve que buscar outra atividade além da música foi o violonista, cantor e compositor Juliano Bueno, 49, também conhecido como Jubah. Com o salário reduzido em 70% e acostumado a se apresentar em bares, festas e festivais, Jubah se dedicou exclusivamente a dar aulas de violão online – e precisou ainda recorrer ao auxílio emergencial para completar sua renda.
“Com a pandemia, o trabalho ficou comprometido por mais de 15 meses. Todos os projetos marcados que eu já tinha foram cancelados. Fiquei muito assustado com aquilo tudo. Passei dificuldades e precisei do auxílio emergencial do governo federal para sobreviver. Tive que me virar como podia”, relembra.
Apesar dos passos para trás, Jubah agora se apega à liberação dos eventos na cidade para retomar a carreira. “Com a flexibilização da quarentena, já estamos retornando aos shows, e a renda começou a subir um pouquinho. Meu sonho é ver toda a população vacinada para que tudo volte a ser como era. Vai ser só alegria”, confia o músico.