Um número impressionante de 1.000 portarias e atos normativos foi revisado pelo Ministério do Trabalho e Previdência e simplificado em 15 atos, que orientam o decreto nº 10.854, mais conhecido como Marco Regulatório Trabalhista Infralegal.
A edição desse marco foi comemorada em solenidade no Palácio do Planalto em 10 de novembro, quando o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou a desburocratização das regras trabalhistas. A justificativa do governo para a medida é melhorar as condições de empregabilidade e de empreendedorismo no país.
Em seu discurso na cerimônia, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni alegou que é difícil explicar aos investidores e empreendedores “o emaranhado burocrático, tributário e ambiental que afetam os investimentos no Brasil”.
“O passo de hoje é extraordinário, a decisão de estabelecermos um programa permanente de simplificação e desburocratização trabalhista vai garantir a todos aqueles que empreenderem no Brasil de que com simplicidade e eficiência pode transformar as vidas das pessoas”, declarou o ministro.
Entre as principais mudanças proporcionadas pelo marco regulatório, estão a forma de registro de ponto, que será digital para evitar filas e má higienização do leitor biométrico, e benefícios, como o vale-alimentação e o vale-refeição.
Seguindo determinação do marco regulatório, a partir de 2023, restaurantes serão obrigados a aceitar todos os tipos de vales para atender aos consumidores.
Política estimula mercado de trabalho
Consultadas pela reportagem de O TEMPO, advogadas especializadas na área do Direito do Trabalho avaliam positivamente a política adotada pelo governo federal. Elas concordam que a medida tende a estimular o mercado de trabalho, melhorando o ambiente de negócios e atraindo investidores para o Brasil.
De acordo com Alessandra Boskovic, doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social na Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), a sistematização das normas trabalhistas era necessária para promover segurança jurídica, um dos fatores centrais para atrair investidores e aquecer a economia do país.
“Diversos estudos têm mostrado que o grau de segurança jurídica de um determinado país está diretamente relacionado com o desenvolvimento socioeconômico desse país. Por fomentar a segurança jurídica, esse marco regulatório acaba indiretamente promovendo e estimulando o mercado de trabalho”, destaca a especialista.
Além disso, de acordo com Boskovic, a desorganização das regras trabalhistas aumenta o desconhecimento e, consequentemente, há descumprimento pelas empresas e trabalhadores.
“Se os atos estiverem concentrados, reunidos de uma maneira organizada, facilita para que, não só empresas, mas também trabalhadores e sindicatos consigam conhecer seus deveres e direitos”, avalia a advogada, que também é sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos.
Outro ponto positivo dessa consolidação de normas é a redução de conflitos e incompatibilidade entre as regras. “Quando se reúne tudo isso e sistematiza, revogando o que já estava ultrapassado, diminui a probabilidade de ter conflitos normativos”, nota.
Efeitos para os trabalhadores
Por ter sido decretado recentemente, ainda não é possível estimar todos os efeitos práticos do marco regulatório na vida dos trabalhadores. Mas segundo Karolen Gualda, advogada especializada em Direito do Trabalho, não há chances de precarização dos direitos trabalhistas, pois a consolidação foi feita em normas infralegais.
Boskovic explica as normas infralegais: “Os atos infralegais têm uma limitação jurídica, precisam ficar restritos aos limites da lei. Não podem conceder ou retirar direitos, somente a lei, ou seja, a Constituição Federal pode fazer isso”.
“[O marco regulatório] é mais uma organização das normas, não retira direitos”, complementa Gualda, que também é coordenadora da área trabalhista do escritório Natal e Manssur.
Se algum dos atos consolidados no marco regulatório excluir ou limitar direitos trabalhistas, ele se tornará ilegal e inconstitucional, segundo Boskovic. Ela exemplifica esse ponto com a recente portaria do próprio Ministério do Trabalho e Previdência, nº 620/21.
“Essa portaria criava a impossibilidade de o empregador dispensar empregados que se recusassem a apresentar comprovante de vacinação. Instado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal [STF] já suspendeu trechos dessa portaria. Foram diversos argumentos utilizados pelo STF, dentre os quais o de que a portaria é um ato infralegal e por isso não pode criar ou retirar direitos”, esclarece a advogada.
Qual é a importância do marco regulatório?
Por regulamentar as leis, as portarias consolidadas nos atos do marco regulatório trabalhista afetam o cotidiano nas empresas, sobretudo na área de fiscalização do cumprimento dessas normas, de acordo com Gualda.
“Os fiscais do trabalho usam esse arcabouço legislativo e o volume era muito grande. Por isso a ideia foi limpar e organizar essas normas infralegais e portarias, revogando o que já caiu em desuso, para facilitar o acesso a essas normas e aumentando a segurança jurídica”, reforça a advogada.
Segundo Gualda, está previsto no decreto uma periodicidade para a revisão dessas normas, que será feita a cada dois, embora não esteja detalhado quem será o revisor responsável.
“Esse decreto revogou especialmente 34 portarias, que é um número bastante importante. São muitas normas que foram compiladas, estamos começando a estudar isso de forma mais aprofundada. Mas já se percebe que não é nenhuma grande revolução ou alteração brusca, nem para empregadores nem para trabalhadores”, observa Gualda.
“No geral, vai ser no dia a dia que advogados trabalhistas, auditores do trabalho, empregadores, enfim, todos vamos descobrir mais detalhes práticos dos efeitos desse decreto”, acrescenta.
Consolidação sozinha não cria emprego
Por outro lado, antes que se crie muitas expectativas sobre criação de empregos a partir da consolidação das normas infralegais, a especialista lembra o caso da reforma trabalhista.
“A reforma trabalhista foi frustrada em muitos pontos porque se criou uma expectativa indevida em cima dela. A legislação do trabalho em si não é capaz de criar vagas de empregos”, pondera Gualda.
“O que cria vagas de emprego é uma economia aquecida, com estabilidade para atrair investidores. O cenário político e jurídico em crise não traz total segurança para empregadores e empresários para que apliquem o que a reforma trabalhista trouxe de inovação, como o home office e trabalho intermitente”, conclui a especialista.